Foro por Prerrogativa de Função: Análise do Novo Entendimento do STF
O Foro por Prerrogativa de Função no Novo Entendimento do STF: Da Regra da Atualidade ao Resgate da Contemporaneidade
Em julgamento concluído em 11 de março de 2025, o Supremo Tribunal Federal reacendeu um dos debates mais sensíveis do direito processual penal brasileiro: a aplicação do foro por prerrogativa de função para agentes públicos. A análise ocorreu no âmbito do Habeas Corpus 232.627/DF e da Questão de Ordem no Inquérito 4.787, tendo como relator o ministro Gilmar Mendes. O decano da Corte propôs a revisão do entendimento firmado em 2018 na Ação Penal 937 (AP 937-QO), de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que estabelecera a chamada “regra da atualidade”.
Na AP 937-QO, o STF fixou duas teses principais: (i) a prerrogativa de foro se aplica apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às suas funções; e (ii) a competência se estabiliza apenas ao fim da instrução processual, com a publicação do despacho de alegações finais. Esse entendimento visava limitar o foro especial e evitar seu uso como obstáculo à responsabilização penal, coibindo manobras protelatórias e reforçando os princípios da moralidade e igualdade.
Contudo, a aplicação prática dessas teses revelou consequências indesejadas. O deslocamento sucessivo de competências entre instâncias contribuiu para atrasos processuais, aumento da sobrecarga nos juízos de primeiro grau e risco de prescrição em ações penais contra autoridades públicas. Foi nesse contexto que o ministro Gilmar Mendes propôs o resgate da chamada “regra da contemporaneidade”.
Para o relator, a prerrogativa de foro deve subsistir mesmo após a cessação da função pública, desde que o crime imputado tenha sido praticado no exercício do cargo e em razão das funções. Ele argumentou que a mera perda do mandato não deveria modificar a competência, pois isso abriria espaço para renúncias estratégicas e distorções na responsabilização penal.
A proposta foi acompanhada por ministros como Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Nunes Marques e Dias Toffoli. Barroso, que outrora fora o principal defensor da regra da atualidade, reconheceu os problemas práticos decorrentes da sua aplicação, como a instabilidade na condução das ações penais e o risco de prescrição. Aderiu, assim, ao novo entendimento, sem abandonar os fundamentos centrais da decisão de 2018, mas reconhecendo a necessidade de maior estabilidade e efetividade.
Os ministros da maioria destacaram que a nova diretriz não amplia indevidamente o foro, mas apenas garante a manutenção da competência dos Tribunais Superiores nos casos em que há nexo direto entre o crime e o cargo exercido. Essa mudança busca evitar oscilações processuais que comprometem a efetividade da Justiça e aumentar a previsibilidade e a segurança jurídica.
A divergência foi encabeçada pelo ministro André Mendonça, seguido por Luiz Fux, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Para os ministros vencidos, a prerrogativa de foro deve ser interpretada restritivamente, como uma exceção ao princípio do juiz natural. Ressaltaram que a Constituição vincula o foro à função exercida, e não à pessoa que a ocupa, e que a nova interpretação pode reviver privilégios indevidos que foram justamente afastados pelo STF em decisões anteriores, como o cancelamento da Súmula 394.
A decisão, por maioria de votos (7x4), fixou um novo marco interpretativo sobre a matéria, restaurando a permanência da competência especial nos casos em que o crime tiver sido cometido no exercício do cargo e em razão dele, ainda que o agente público não mais o exerça. As consequências práticas dessa mudança incluem maior estabilidade processual, redução da sobrecarga nas instâncias inferiores e menor risco de prescrição em ações penais contra autoridades.
Por fim, a nova diretriz jurisprudencial do STF representa um avanço na busca por maior racionalidade e efetividade no processo penal brasileiro, sem perder de vista os valores republicanos e democráticos que devem orientar a prerrogativa de foro. Ainda que continue a suscitar controvérsias, a mudança reafirma o papel da Suprema Corte como intérprete dinâmico da Constituição, capaz de reavaliar suas posições à luz da experiência jurídica e das exigências concretas da justiça.
Fonte: Migalhas
Foto: STF





