STJ mantém indenização de seguro de vida a filho inimputável que matou a mãe durante surto
Em razão da inimputabilidade do beneficiário do seguro de vida, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o pagamento de indenização a um filho que, durante um surto, matou a mãe, segurada do contrato.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o pagamento de indenização de seguro de vida a um beneficiário inimputável que, durante um surto esquizofrênico, causou a morte da segurada – sua própria mãe. O colegiado entendeu que, na ausência de dolo, não se aplica a cláusula excludente do contrato de seguro.
O caso teve início em 2013, quando a mãe contratou um seguro de vida no valor aproximado de R$ 113 mil, indicando o filho como único beneficiário. No final do mesmo ano, o rapaz, acometido por um surto psicótico decorrente de esquizofrenia, atropelou e matou a mãe. No processo criminal, foi absolvido de forma imprópria, por ter sido considerado inimputável devido à sua condição de saúde mental. Na esfera cível, o beneficiário ingressou com ação para exigir o pagamento da indenização securitária. Em primeira instância, o pedido foi negado sob o fundamento de que o falecimento da segurada resultou de ato doloso praticado pelo beneficiário, o que violaria cláusula contratual excludente do seguro. Contudo, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a decisão, reconhecendo que o autor não possuía discernimento no momento do fato e, portanto, era incapaz de agir com dolo.
No julgamento do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi, relatora do voto vencedor, ressaltou que a cláusula excludente do contrato de seguro não se aplica a beneficiário inimputável. “O beneficiário inimputável que agrava factualmente o risco no contrato de seguro não o faz de modo intencional (com dolo), pois é, ontologicamente, incapaz de manifestar vontade civilmente relevante”, afirmou a ministra.
A decisão consolida o entendimento de que a inimputabilidade penal, reconhecida judicialmente, afasta a aplicação automática de cláusulas de exclusão por ato doloso no âmbito contratual, especialmente quando não há comprovação de intenção ou discernimento por parte do beneficiário.
STJ aplica analogia com Código Civil e reforça que inimputável não perde direito a seguro por ausência de dolo
Ao analisar recurso de uma seguradora, a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou que, à época dos fatos, não havia norma legal específica que regulasse os efeitos civis de atos ilícitos praticados por beneficiário de seguro no momento do sinistro. Esse tema passou a ser disciplinado somente com a publicação da Lei 15.040/2024, cuja entrada em vigor está prevista para dezembro de 2025.
Diante da lacuna legislativa então existente, a relatora considerou possível aplicar, por analogia, o artigo 768 do Código Civil. A norma prevê que o beneficiário que agrava intencionalmente o risco objeto do contrato perde o direito à indenização. Contudo, segundo a ministra, essa disposição exige interpretação cuidadosa nos casos envolvendo pessoas inimputáveis ou civilmente incapazes. Nancy Andrighi ressaltou que, no Direito Civil, os atos praticados por absolutamente incapazes — ainda que violem direitos — não são considerados ilícitos, justamente por sua incapacidade de manifestar vontade com relevância jurídica. “A expressão ‘intencionalmente’, constante do artigo 768 do Código Civil, deve ser analisada à luz da condição de inimputabilidade do agente, o que afasta o dolo exigido pela norma”, afirmou.
Assim, a ministra reafirmou que o beneficiário do seguro, absolvido por inimputabilidade penal após causar a morte da segurada durante surto esquizofrênico, não agiu com dolo e, portanto, não pode ser penalizado com a perda do direito à indenização. A decisão reforça a aplicação da principiologia civilista em situações de omissão legislativa, com base em analogia e interpretação sistemática, respeitando os limites da vontade juridicamente relevante no âmbito contratual.
"Se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Se, por outro lado, houve o agravamento do risco – sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário – não é possível aplicar o artigo 768 do Código Civil. Não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização", afirmou.
Nancy Andrighi ponderou que esse raciocínio preserva a coerência do sistema jurídico, pois, se o inimputável não possui livre vontade para realizar atos negociais, conforme previsto nos artigos 166, inciso I, e 181, ambos do CC/2002, também não poderá manifestá-la em outras circunstâncias, como para agravar propositalmente o risco contratado (artigo 768 do CC).
O número do processo não é divulgado para preservação da intimidade das partes.
Fonte: STJ Noticias





